domingo, 16 de maio de 2021

São Patrício, o apóstolo leão da Irlanda

São Patrício, catedral de Christ the Light, Oakland, CA
São Patrício, catedral de Christ the Light, Oakland, CA
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






No livro de Ernest Hello, “A fisionomia dos Santos” (Ed. Cultor de Livros, 2014, 328 p.), há dados biográficos de São Patrício.

“São Patrício aos 12 anos foi raptado por piratas e levado para a Irlanda.

“Aí foi feito pastor, recebendo o dom da oração. Ajoelhava-se no meio do campo e rezava, cercado por seus animais.

“Depois de seis anos sai dessa região fazendo várias viagens cheias de peripécias e se tornou novamente escravo”.
A grama da Irlanda é de um verde famoso que os poetas antigos comparavam a uma esmeralda encastoada no mar ao norte da Europa.

Que cena bonita: São Patrício, pequeno, pastorzinho pobre e humilde, rezando sobre a relva esplendidamente verde da Irlanda e os animais fazendo círculo em torno dele.

Há cenas da Idade Média que dão para iluminuras ou vitrais de catedral. Porque a história e a fantasia se reúnem pelo poder da candura, da oração, da inocência fortalecida por carismas de Deus.

“Enfim, chegou ao mosteiro de São Martinho de Tours, na França. E como sempre sentira que sua vocação estava na Irlanda, partiu para evangelizá-la. Mas apesar de seus desejos, de sua santidade e de seu zelo e do chamamento sobrenatural, fracassou completamente. Foi tratado como inimigo”.
Como Deus prova os seus santos, fazendo que caminhem sem conseguir o objetivo que o próprio Deus tem em vista!

Num belo momento esse objetivo lhe vem às mãos. Aí a gente compreende como é natural sofrermos revezes.

Os que não são santos, entretanto, progridem rapidamente nas suas obras.

“Patrício volta à Gália, França, onde passa três anos sob a direção de São Germano de Auxerre. Depois retira-se para a solidão da Ilha de Lerins onde o papa São Celestino lhe dá a bênção apostólica.

“Ele retoma então o caminho da Irlanda, ai aportando em 432. Logo dirigiu-se à assembleia geral dos guerreiros da Hibérnia”.
A Hibérnia era o antigo nome da Irlanda. Imaginem uma assembleia geral de guerreiros na natureza suave da Irlanda. Eram os nobres da nação revestidos de suas armas, porém num regime de barbárie.

São Patrício pregando aos reis da Irlanda, catedral da Assunção, Carlow, Irlanda
São Patrício pregando aos reis da Irlanda, catedral da Assunção, Carlow, Irlanda
Estava também reunido o colégio dos druidas, que eram os sacerdotes pagãos da Gália e da Irlanda, verdadeiros bruxos e curandeiros.

São Patrício atacou de frente o centro religioso e político da nação. Que destemor! Nada de meias tintas, de panos quentes, de recuos; ele era um santo e tinha o poder dos santos.

“Perante todos os seus inimigos agrupados, pregou a fé. E a datar desse momento, as maravilhas se sucederam com rapidez. Conversão de famílias reais inteiras”.
Naturalmente, famílias reais eram dos chefes de tribo. Nós não podemos pensar, nem um pouco, numa princesa como as filhas de Luís XV pintadas por Natier.

Imaginem a selvageria dessas hordas e São Patrício pregando de frente todas as verdades. Os guerreiros ficam pensativos, depois contritos, as mulheres mudam de atitude, se desperta a admiração pelo santo.

Depois o batismo de famílias reais inteiras com as respectivas tribos numa aurora da graça maravilhosa.

“Aquela Irlanda se transforma rapidamente na ilha dos santos.

“Naquela terra onde outrora fora escravo, Patrício anda agora como conquistador triunfante. Reis e povos e também poetas vêm a ele porque a Irlanda é umas das mais antigas pátrias de poesia”.
Faz parte até da bandeira irlandesa, uma harpa pequena dos bardos da Irlanda e do País de Gales. O maior cantor que a Irlanda teve se cristianizou.

“O Homero da Hibérnia inclinou os velhos heróis ante o estandarte do Deus desconhecido. Então, os cantos dos bardos ficaram tão belos com a conversão, que os Anjos de Deus se inclinavam na beira do Céu para os escutar.”
São Patrício pregando, St. Patrick's Cathedral (RC), Armagh, County Armagh, Irlanda do Norte
São Patrício pregando, St. Patrick's Cathedral (RC), Armagh, County Armagh, Irlanda do Norte
Como bem definiu Montalembert chamando a Idade Média de “doce primavera da fé” (Histoire de Sainte Elisabeth de Hongrie, Jacques Lecoffre et Cie, Neuvième édition, Paris, 1861, pag. 253).

É uma energia que nasce, que vence todos os obstáculos, que ilumina tudo como um sol que vai nascendo, ou como uma boa estação do ano que vai entrando.

“Entretanto, as invasões dos piratas desolavam a Irlanda. Patrício escreveu a Corotido, chefe da quadrilha:

“Patrício pecador ignorante, mas coroado bispo de Hibérnia refugiado entre as nações bárbaras por causa do seu amor a Deus, escrevo de próprio punho estas letras para serem transmitidas aos soldados do tirano.

“A misericórdia divina que eu amo não me obriga a agir assim para defender aqueles mesmos que não há muito me fizeram cativo e trucidaram os servos e as servas de meu pai?”
Ele se apresenta de bispo coroado como um rei, e trata o pirata logo de uma vez “tirano”.

Eram vikings, piratas em navios vindos da Dinamarca, Noruega e Suécia em pequenas esquadrilhas, em naus com proas monumentais, velas bonitas, rápidas, que singravam pelos mares e que desembarcavam e devastavam os povos e as terras.

Ele enfrentou e mostrou os desígnios de misericórdia da Providência. Ele prediz em presença de Deus e de seus santos:

“Atesto que o futuro será tal qual eu o hei previsto.

“Alguns meses depois, Corotido acometido de alucinação mental morria no desespero.

“Os inimigos de Patrício caíam mortos, os amigos ressuscitavam. Os túmulos pareciam um domínio sobre o qual ele tinha direito”.
São Patrício enfrenta os inimigos, Holy Trinity church, Stratford-upon-Avon
São Patrício enfrenta os inimigos, Holy Trinity church, Stratford-upon-Avon
Era o resultado da maldição de São Patrício.

“À sua chegada a Irlanda, os demônios, diz um historiador do século XII, fizeram um círculo com que cingiam toda a ilha para lhe barrarem a passagem. Patrício levantou a mão direita, fez o sinal da cruz e passou adiante.

“Depois derrubou o ídolo do sol ao qual as crianças, como ao antigo Moloc, eram oferecidas em sacrifício”.
Lindo tema para uma iluminura: um barquinho com São Patrício na frente, um halo de santidade enorme, e uma sarabanda de demônios correndo.

Para pintarmos os demônios pediríamos o auxílio da arte moderna, que isso realmente pinta como é.

São Patrício com uma bênção manda sair fogo das pernas dos demônios, entrar de ponta cabeça no mar e os monstros marinhos fogem espavoridos porque os demônios causam horror até aos monstros.

E o barquinho de São Patrício ancora sereno na Irlanda, ele desce, amarra o barquinho e sobe o caminho...

No local há um ídolo horrendo, com atitude sanguinária, uma mãe que entrega espavorida sua criança, adoradores infames do ídolo, ao lado restos de cadáveres de crianças mortas. E São Patrício entra.

Ele faz o uso da palavra violentamente; derruba o ídolo e a população festeja. Assim se tocam as coisas para frente. Mas para isso, é preciso ser santo.

Uma vez perguntaram a Napoleão porque ele não se fazia aclamar como Deus. Napoleão respondeu: “depois de Jesus Cristo só há um jeito para ser Deus: é pegar a Cruz, subir ao Calvário e fazer-se crucificar. E eu não tenho vontade disso”.

É bem verdade. Para fazer essas coisas é preciso ser santo. Se fôssemos santos poderíamos, talvez, fazer coisas dessas.

São João Bridlington no Purgatório de São Patrício, miniatura de 'The Vision of William of Stranton', British Library
São João Bridlington no Purgatório de São Patrício,
miniatura de 'The Vision of William of Stranton', British Library
“O purgatório de São Patrício é sagrada tradição entre os irlandeses que disseram um dia a São Patrício: ‘anunciais para o outro mundo grandes alegrias ou grandes dores, mas nós nunca vimos nem umas nem outras. Falais mas nós não vemos. Que são palavras? Não serão senão palavras?

“Não abandonaremos nossos hábitos e nossa religião a não ser que vejamos com nossos olhos o que prometeis”.
Patrício pôs-se em oração e guiado pelo seu anjo chegou a uma caverna, que se tornou depois terrível e célebre, numa pequena ilha do lago de Derg, na província de Ulster Ocidental.

“Nessa caverna viu cenas do outro mundo: de um lado apareciam os anjos com um cortejo inaudito de esplendores, de outro os aspectos dos ídolos e todos os monstros que adorara a Irlanda idólatra, seguidos dos terrores e dos horrores que não se podem imaginar.

“Encerravam-se ali por dois dias os penitentes voluntários que reclamavam seu purgatório na terra e ninguém sabe a história exata das 48 horas que aí passavam.”
Uma caverna numa ilha tem uma grande classe. A ilha tem um prestígio próprio. A caverna na ilha está cercada de um duplo mistério: mistério das trevas e mistério do isolamento das águas.

“Atribui-se ao bastão de São Patrício o poder de enxotar as serpentes. Esses animais são, ao que parece, desconhecidos na Irlanda e sua ausência é atribuída a uma bênção particular: a bênção do bastão que São Patrício segurou nas mãos”.

A figura desse santo assemelha-se a esses navios que se distanciam da praia: durante algum tempo a vista os segue distintamente; até que o céu e o mar se confundem no horizonte e o navio desaparece.

Assim também São Patrício no céu e nos mares da Irlanda. É uma linda vida à qual nada há que acrescentar.


(Fonte: excertos de palestra do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no dia 16 de março 1967 apud PlinioCorreadeOliveira.info. Sem revisão do autor)




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.