domingo, 22 de outubro de 2023

Cantiga de Nossa Senhora de Castro Marim

Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Esta cantiga refere-se ao surgimento da devoção a Nossa Senhora de Castro Marim (Algarve, século XII), especial protetora dos portugueses cativos dos mouros.


Captivo de um pêrro moiro
Em terras de moiraria
Debaixo de duros ferros,
Um pobre cristão vivia.

Negro pão e água turva
Só lhe davam por medida
De manhã até à tarde
A um moinho moia;
E à noite o perro infiel,
Com medo que lhe fugisse,
N’um caixão grande o fechava,
Muito forte em demasia.

Depois, em cima deitado,
Em tom de mofa dizia,
Como quem Deus não conhece,
Esta horrível heresia:
- Livre-se d’aqui agora
A tua Virgem Maria!

Chorava o pobre cristão,
Mas seus males não carpia.
A blasfêmia que escutava
Era o que só lhe doía.
Todo em lágrimas banhado,
Desta maneira dizia:
– Senhora! Que não castigas
Matriz de Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Matriz de Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Esta grande aleivosia?!
Se ele bem A invocava
Melhor a Senhora o ouvia.

Uma noite à meia noite,
O caixão que se movia!
Sem que ninguém lhe tocasse,
Ao mar direito corria!
O moiro, no melhor sono
Em cima d’ele dormia.
Adeus, terra de moirama!
A terra ao largo fugia...

Assim três noites vogaram,
Três noites e mais dois dias!
O moiro, como encantado,
Do sono não se bulia.

Já desponta a manhã clara,
Manhã do terceiro dia!
Novas areias se mostram,
Novos céus, nova alegria!

Já perto se ouve roncar
O mar pela penedia.
O ladrar de muitos cães
Por toda a costa se ouvia.
Da torre o galo três vezes
Este milagre anuncia!
Os sinos do campanário
Repicavam à porfia,
Sem que ninguém os tangesse,
Castro Marim
Castro Marim
Porque tudo inda dormia.

Com os sinos acorda o moiro,
Sem atinar com o que via.
Já muito contrito e humilhado
Para o captivo dizia:
– Cristão, que terra é esta
De tão alta senhoria?
Na tua terra, cristão,
Cantam galos à porfia,
Tocam sinos, ladram cães,
Logo ao despertar do dia?
– Esta terra sei que é minha,
Mas eu não a conhecia...
 Na minha terra, senhor,
Cantam cães, repicam sinos,
Logo ao despontar do dia...
– Ergue-se, cristão, perdoa-me
Todo o mal que eu te fazia:
Ontem eras meu escravo
Teu servo seu n’este dia.

Já todos vão, já se partem,
Caminho da santa ermida;
O moiro, por Deus tocado,
D’esta maneira dizia:
– Oh Mãe de Deus poderosa,
Piedosa Virgem Maria,
Perdoa-me os meus pecados
Que eu cristão me tornaria!

Brasão da Vila de Castro Marim
Brasão da Vila de Castro Marim

Para ver este milagre
Toda a gente ali corria;
Com seus gibões encarnados
Os da justiça assistiam.
Eis que aos pés da Virgem Santa
D’água uma fonte se abria;
Tão cristalina e tão pura;
Que linda que ela corria!
Com esta água bendita
Água de tanta valia,
Foi logo ali batizado
O moiro da Babaria.

E para maior milagre,
Ao cabo de sete dias
Mesmo no meio das águas
Um verde freixo nascia
Tão copadinho e tão verde,
Oh que bem que parecia!

Desde então ficou a Virgem
Tendo grande romaria;
De Portugal e Castela
Todos, ali, corre em seu dia.



(Fonte: Alberto Pimentel, “História do Culto de Nossa Senhora em Portugal”)






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domingo, 15 de outubro de 2023

Legenda da fidelidade

Coroação de Nossa Senhora, Fra Angélico, detalhe
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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Conta-se que em tempos muito remotos havia um convento de monjas agostinianas, perto da cartuxa de Monte Alegre.

Havia entre elas — e era, por certo, a mais humilde — uma monja de família nobre, de alta linhagem e muito bela.

Numa tarde, um cavaleiro que habitava nos arredores do castelo desse lugar, por acaso viu-a no jardim, e de tal maneira impressionou-se por sua beleza, que não teve mais repouso.

Desde então o cavaleiro rondava todas as noites o jardim do convento, chegando ao extremo de escalar os muros e cantar em frente à cela da enclausurada.

Esta teve notícia dos padecimentos do jovem cavaleiro, e chorou amargamente por ser causa deles.

Sua humildade e sua religião não podiam suportar a situação que o cavaleiro lhe criava, rondando-a como se fosse do mundo.

Uma tarde, depois de rezar devotamente na capela do convento, pedindo conselho à Santíssima Virgem, tomou uma decisão heroica.

Ao chegar a noite, a monja esperou atrás da cela em que o cavaleiro escalava o muro do convento, como era seu costume.

Não teve que esperar muito tempo.

Apenas a lua despontou no céu, viu o cavaleiro que, colocando uma escada no muro, desceu em silêncio por ela, levando sua espada.

Saiu então a monja e se aproximou do cavaleiro, que estava trêmulo de emoção.

Ela então lhe disse que havia sabido do muito que por seu amor sofria tentações, e que não poderia consentir nisso.

E tampouco podia tolerar que todas as noites ele rondasse sua cela e lhe cantasse trovas, quebrando o espírito de clausura.

O cavaleiro referiu-se à sua extrema beleza.

Ao ouvir estas palavras, a religiosa respondeu que, como era sua beleza que causava suas tentações, estava decidida a destruí-la, para devolver à sua alma a tranquilidade que tinha perdido.

Dizendo isto, tirou uma adaga que trazia escondida embaixo do escapulário, e com um só golpe cortou o nariz.

A lenda não conta o que aconteceu com o cavaleiro, mas nos consta que naquele lugar nasceu um raro arbusto, de uma espécie desconhecida até então, que dava flores de cor vermelha e em forma de nariz.

Os cientistas do país asseguram que não há outro igual em toda a Catalunha.

Em várias ocasiões, procuraram extirpá-lo, mas renascia com maior louçania.

Puseram-lhe o nome de "arbusto de fogo", mas o povo, sempre amante do maravilhoso, o chama de "arbusto dos narizes".



(V. Garcia de Diego, "Antología de Leyendas de la Literatura universal" - Labor, Madrid, 1953, p. 147)




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domingo, 8 de outubro de 2023

A maravilhosa prédica de Santo Antônio de Pádua diante do Consistório

Santo Antônio de Pádua. Benozzo Gozzoli (1421-1497).
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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O maravilhoso vaso do Espírito Santo, monsior Santo Antônio de Pádua, um dos discípulos escolhidos e companheiros de São Francisco, ao qual São Francisco chamava seu vigário.

Pregando uma vez em Consistório diante do Papa e dos cardeais (no qual Consistório havia homens de diversas nações, isto é, gregos, latinos, franceses, alemães, eslavos e ingleses e de outras diversas línguas do mundo); inflamado do Espírito Santo tão eficazmente, tão devotamente, tão sutilmente, tão docemente e tão claramente e intuitivamente expôs e falou a palavra de Deus.

E todos os que estavam em Consistório, conquanto usassem línguas diversas, claramente lhe entendiam as palavras distintamente como se ele tivesse falado na língua de cada um.

E todos estavam estupefatos e lhes parecia que se havia renovado o antigo milagre dos Apóstolos no tempo de Pentecostes, os quais falavam por virtude do Espírito Santo em todas as línguas.

E diziam juntos um para o outro com admiração:

“Não é de Espanha este que prega? E como ouvimos nós em seu falar o nosso idioma?”

O Papa semelhantemente considerando e maravilhando-se da profundeza das palavras dele, disse:

“Este é verdadeiramente arca do Testamento e armário da Escritura divina”.

Em louvor de Cristo. Amém.



(Fonte : Fioretti, capitulo 39).


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domingo, 1 de outubro de 2023

Saudação 'Salve Maria': Ave Maria! Ave Bernardo!

São Bernardo
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Nada mais suave para os ouvidos de Maria do que a voz de seus filhos, dirigindo-lhe a saudação angélica.

Esta saudação faz estremecer-lhe o coração, como no dia da Anunciação.

O fato seguinte o prova com evidência, e se deu com São Bernardo, um dos mais ilustres servos de Maria.

No meio do século XII, existia nas florestas que separam as Flandres do Brabante uma ermida de religiosos beneditinos, célebre sob o nome de abadia de Afligem.

Bernardo, percorrendo a Alemanha para pregar a segunda Cruzada, foi descansar alguns dias no piedoso convento. 

Uma estátua de Maria estava no fundo do claustro, na grande galeria.

Com o divino filho nos braços, Maria parecia olhar com ternura para os religiosos que ali passavam. Bernardo dirigia-lhe a saudação angélica todas as vezes que passava diante dela:

— Ave, Maria! — dizia ele.

Um dia, ajoelhou-se aos pés da imagem, repetindo com efusão sua saudação favorita.

No momento em que acabava de dizer “Ave, Maria!”, da imagem Maria respondeu:

— Ave, Bernardo! — Eu te saúdo, ó Bernardo!

São Bernardo leva preso o demônio
É impossível descrever a impressão que estas palavras produziram nos circunstantes, e em particular na alma de Bernardo.

Estremeceu, como Santa Isabel no dia da Visitação, quando Maria a saudou:

— “E donde me vem esta felicidade — exclamou Isabel — que a mãe de meu Senhor se digne visitar-me?” (São Lucas, 1,43).

Sem dúvida, a alma de Bernardo, ouvindo a voz de sua Mãe bem amada, derreteu-se de amor como a da esposa dos cânticos:

— “Minha alma desfez-se em ternura ao som maravilhoso de sua voz”.

Ao retirar-se, o santo abade de Claraval deixou na abadia a parte superior de seu báculo, como penhor de agradecimento.

A estátua conservou-se milagrosamente no claustro até o ano de 1580, época em que foi despedaçada, e o convento saqueado pelos protestantes.

Dos pedaços recolhidos, fizeram-se duas novas imagenzinhas à imitação da antiga.

Uma delas venera-se ainda, na igreja dos beneditinos de Termonde.


(“Maria ensinada à mocidade” - Livraria Francisco Alves, 1915)


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