domingo, 20 de fevereiro de 2022

O hino "Vinde, Espírito Santo": quando reis disputavam em piedade com cardeais e Papas

Roberto II o Piedoso, Grandes Chroniques de France, século XV, ©BNF
Roberto II, o Piedoso, rei da França gostava cantar o Ofício Divino com os monges.
Iluminura de 'Grandes Chroniques de France', século XV, Biblioteca Nacional da França.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









A famosa “sequência” (um tipo de hino) “Veni Sancte Spiritus” (“Vinde, Espírito Santo”) cantada na festa de Pentecostes, é outra das joias da espiritualidade medieval.

Disputa-se sobre quem teria sido seu autor.

Alguns defendem que foi o rei da França Roberto II, o Piedoso (970-1031) (iluminura ao lado).

Outros põem a autoria no Cardeal Stephen Langton (1150–1228) arcebispo de Cantuária e primaz da Inglaterra.

Segundo a Encyclopédia Católica, tal vez seja mais correto atribuir o “Veni Sancte Spiritus” ao Papa Inocêncio III, (pintura em baixo) muito amigo, aliás do Cardeal Langton.

Inocêncio III (1160-1216) foi um dos maiores Papas da Idade Média.

Ele consolidou o poder pontifício que fora contestado por uma corrente de revolta, precursora do laicismo atual.

Papa Inocêncio III, Subiaco. Orações e milagres medievais
O Papa Inocêncio III. Mosteiro de Subiaco, Itália.
Ô felizes tempos em que reis como Roberto II o Piedoso disputavam em zelo pela Fé com cardeais e Papas!

Então desde o governo desciam sobre a Igreja e o corpo social maravilhas espirituais como o “Veni Sancte Spiritus”.

Quê diferencia com tantos governantes de hoje!



Clique para ouvir (coro da TFP americana)

Veni Sancte Spiritus


Eis o texto em latim (como é cantado em gregoriano) e em português:

1. Veni Sancte Spiritus, et emitte cælitus, lucis tuæ radium.
1. Vinde, Espírito Santo, e enviai do céu um raio de Vossa luz.

2. Veni pater pauperum, veni dator munerum, veni lumen cordium.
2. Vinde, pai dos pobres, vinde dispensador dos dons, vinde luz dos corações.

3. Consolator optime, dulcis hospes animæ, dulce refrigerium.
3. Consolador por excelência, hóspede da alma, nosso doce refrigério.

4. In labore requies, in æstu temperies, infletu solatium.
4. No trabalho, sois repouso; no ardor, sois calma; no pranto, consolo.

5. O lux beatissima, reple cordis intima, tuorum fidelium.
5. Ó luz beatíssima, penetrai até o fundo do coração dos que vos são fiéis.

6. Sine tuo numine, nihil est in homine, nihil est innoxium.
6. Sem vossa graça, nada há no homem, nada que não lhe seja nocivo.

7. Lava quod est sordidum, rega quod est aridum, sana quod est saucium.
7. Lavai o que é impuro, fecundai o que é estéril, ao que está ferido curai.

8. Flecte quod est rigidum, fove quod est frigidum, rege quod est devium.
8. Dobrai o rígido, aquecei o que é frio e o que se extraviou, guiai.

9. Da tuis fidelibus, in te confidentibus, sacrum septenarium.
9. Dai aos que vos são fiéis e em vós confiam, os sete dons sagrados.

10. Da virtutis meritum, da salutis exitum, da perenne gaudium. Amen.
10. Dai-lhes o mérito da virtude, a salvação no termo da vida, a eterna felicidade.



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domingo, 13 de fevereiro de 2022

As duas trombetas de Deus: São Francisco e São Domingos – 3

Santa Isabel rainha de Hungria
com hábito de terceira franciscana
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




continuação do post As duas trombetas de Deus: São Francisco e São Domingos – 2


Mas, por um maravilhoso efeito da graça divina, é sobretudo entre as filhas dos reis que se recrutam as santas da Ordem daquele mendigo que havia procurado todos os excessos da pobreza.

Quer elas entrem na estrita observância das pobres Claras, quer, retidas nos laços do casamento, elas não possam adotar senão a regra da Ordem Terceira.

A primeira em data e celebridade é Santa Isabel da Hungria, de quem escrevemos a vida. Não foi em vão, como o veremos, que o Papa Gregório IX obrigou São Francisco a enviar-lhe (a Santa Isabel) seu pobre manto; como Eliseu recebendo o de Elias, ela devia encontrar aí força para tornar-se sua herdeira.

Inflamada por seu exemplo, sua prima irmã, Inês de Boêmia, recusa a mão do Imperador dos Romanos e do Rei da Inglaterra e escreve a Santa Clara dizendo que ela também jurou viver na absoluta pobreza. Santa Clara responde-lhe por uma carta admirável que nos foi conservada, e envia ao mesmo tempo à sua real noviça uma corda para cingir seus rins, uma tigela de terra e um crucifixo.

Como ela, Isabel de França, irmã de São Luís, recusa tornar-se esposa do imperador Conrado IV, para se tornar clarissa e morrer santa, como seu irmão. 

A viúva deste Santo rei, Margarida, as duas filhas de São Fernando de Castela, Helena, irmã do Rei de Portugal, seguem esse exemplo.

Mas, como se a Providência quisesse abençoar o terno laço que unia nossa Isabel a São Francisco e a Santa Clara, que ela tinha tomado como modelos, é principalmente sua família que oferece à Ordem seráfica como que uma pepineira de santos:

Santa Catarina de Siena, Blackfriars, Oxford.
Santa Catarina de Siena, Blackfriars, Oxford.
Depois de sua prima Inês, é sua cunhada, a Bem-Aventurada Salomé, Rainha da Galícia; depois sua sobrinha, Santa Cunegunda, duquesa da Polônia; e, enquanto uma outra de suas sobrinhas, a Bem-Aventurada Margarida da Hungria, prefere a Ordem de São Domingos, na qual ela morre aos vinte e oito anos, a neta de sua irmã, chamada, por causa dela, Isabel, Rainha de Portugal, abraça como ela a Ordem Terceira de São Francisco, e como ela merece aí a palma eterna.

Ao lado dessas santas franciscanas de nascimento real, é preciso não esquecer aquelas que a graça de Deus fazia surgir das últimas camadas do povo, como:

Santa Margarida de Cortona, que, de cortesã, torna-se o modela das penitentes; Santa Rosa de Viterbo, ilustre e poética heroína da Fé, que, apenas com dez anos, no momento em que o Papa fugitivo não tinha mais nenhum palmo de terra para si na Itália, desceu à praça pública de sua cidade natal, para pregar os direitos da Santa Sé contra a autoridade imperial que ela soube abalar, mereceu ser exilada aos quinze anos, por ordem de Frederico II, e retornou triunfante com a Igreja, para morrer aos dezessete anos, no meio daquela Itália onde seu nome é ainda tão popular.

Estas duas grandes Ordens, que povoavam o Céu comovendo a terra, encontravam-se, apesar da diversidade de seus caracteres e meios de ação, em uma mesma tendência no amor e culto de Maria.

Nossa Senhora dos 'encomendados'.
Bolsena, capela das reliquias do milagre eucaristico
Era impossível que a influência desta sublime crença na Virgem Maria, que tinha exercido um império sempre crescente sobre os corações, desde a proclamação de Sua Maternidade divina no Concílio de Éfeso, não fosse incluída no imenso movimento das almas cristãs do século XIII; também, pode-se dizer que, se, desde o século precedente, São Bernardo tinha dado à devoção popular pela Santa Virgem o mesmo impulso que tinha imprimido a todos os nobres instintos da Cristandade, foram essas duas grandes Ordens mendicantes as que levaram esse culto ao apogeu de brilho e de poderio do qual não mais desceria.

São Domingos, pelo estabelecimento do Rosário, e os franscicanos, pela pregação do dogma da Imaculada Conceição, elevaram nesse culto duas majestosas colunas, uma de prática, outra de doutrina, do alto das quais a doce majestade da Rainha dos Anjos presidia a piedade e a ciência católica.

São Boaventura, o grande e douto teólogo, torna-se poeta para cantá-la, e parafraseia duas vezes os Salmos completos em Sua honra .

Todas as obras e as inspirações dessa época; sobretudo todas as instituições da arte como nos foram conservadas em suas grandes catedrais e nos cantos dos poetas , mostram-nos um desenvolvimento imenso, no coração do povo católico, de sua ternura e de sua veneração por Maria.

(Autor: Charles de Montalembert, “Histoíre de Sainte Elisabeth de Hongrie”, Pierre Téqui, Libraire Éditeur, Paris, 1930, )



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domingo, 6 de fevereiro de 2022

As duas trombetas de Deus: São Francisco e São Domingos – 2

Santos Dominicanos
Santos Dominicanos
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
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continuação do post: As duas trombetas de Deus: São Francisco e São Domingos – 1


Sobre os passos de São Domingos, deste santo atleta da Fé, deste coadjutor do Lavrador eterno , precipita-se, primeiro, o Bem-Aventurado Jourdain, digno de ser seu primeiro sucessor, como Geral de sua Ordem; depois São Pedro de Verona decorado pelo título de Mártir por excelência, e que, assassinado pelos hereges, escrevia sobre a terra com o sangue de suas chagas, as primeiras palavras do Símbolo (Credo) cuja verdade proclamava com o preço de sua vida.

Depois, São Jacinto e Ceslau, seu irmão, esses jovens e fortes poloneses que o encontro com São Domingos em Roma foi suficiente para fazer renunciar a todas as grandezas terrenas, a fim de levar essa nova luz à sua pátria, de onde ela deveria se espalhar com rapidez na Lituânia, Moscóvia e Prússia.

Depois, São Raimundo de Peñafort, que Gregório IX escolheu para coordenar a legislação da Igreja, autor das Decretais e sucessor de São Domingos; enfim, este Teobaldo Visconti, que deveria presidir os destinos da Igreja sobre a terra, com o nome de Gregório X, antes de ter eternamente direito às suas orações, como Bem-Aventurado no Céu.

São Alberto Magno, Santa Maria dell'Anima, Roma
São Alberto Magno, Santa Maria dell'Anima, Roma
Ao lado desses homens cuja santidade a Igreja consagrou, uma multidão de outros traziam-lhe o tributo de seus talentos e estudos: Santo Alberto Magno, esse colosso do saber, pregador de Aristóteles e mestre de São Tomás; Vicente de Beauvais, autor da grande enciclopédia da Idade Média; o Cardeal Hugo de Sant-Cher, que fez a primeira Concordância das Escrituras; o grande Cardeal Henrique de Suze, autor da “Suma Dourada”.

E, acima de todos, pela santidade como pela ciência, o grande São Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, pensador gigantesco, em quem parece resumir-se toda a ciência dos séculos da fé, e cuja grandiosa síntese não pôde ser igualada por nenhuma tentativa posterior; o qual, inteiramente absorto na abstração, não é, por isso, menos um admirável poeta, e merece ser escolhido por São Luís como conselheiro íntimo nos casos mais espinhosos de seu reino.

“Escreveste bem sobre Mim, diz-lhe Cristo um dia, que recompensa Me pedes?” – “Vós mesmo”, responde o santo . Toda sua vida, todo seu século está nesta palavra.

O exército de São Francisco não marchava ao combate sob chefes menos gloriosos. Em vida de São Francisco, doze de seus primeiros filhos foram colher a palma do martírio entre os infiéis. O Bem-Aventurado Bernardo, o Beato Egídio, o Beato Guido de Cortona.

Toda essa companhia de Bem-aventurados, companheiros e discípulos do santo fundador, sobrevivem-lhe e conservam o depósito inviolável desse espírito de amor e de humildade que o havia inflamado.

Tão logo o serafim foi tomar sua posição diante do trono de Deus, seu lugar na veneração e no entusiasmo dos povos é ocupado por aquele que todos proclamavam seu primogênito: Santo Antônio de Pádua, célebre como seu pai espiritual por este império sobre a natureza, que lhe valeu o cognome de Taumaturgo, aquele que o Papa Gregório IX chamou a Arca dos dois testamentos; que tinha o dom das línguas como os Apóstolos; que, depois de ter edificado a França e a Sicília, passa seus últimos anos pregando a paz e a união às cidades lombardas, obtém dos paduanos o privilégio da cessão de bens para os devedores desafortunados, ousa sozinho censurar ao feroz Ezzelin sua tirania, fá-lo tremer, segundo seu próprio depoimento, e morre aos trinta e seis anos, no mesmo que Santa Isabel.

Mais tarde, Rogério Bacon reabilita e santifica o estudo das ciências, e prevê, se não as leva a termo, as maiores descobertas dos tempos modernos. Duns Scoto disputa a São Tomás o império das escolas; e este grande gênio encontra um rival e um amigo em São Boaventura, o Doutor Seráfico, o qual, quando seu ilustre rival, o Doutor Angélico, perguntou-lhe de que biblioteca tirava sua surpreendente ciência, mostrou silenciosamente seu crucifixo, e que lavava a louça de seu convento quando lhe foi trazido o chapéu de Cardeal.

São Domingos de Gusmão
São Domingos de Gusmão
São Domingos introduziu uma reforma fecunda na regra das esposas de Cristo, e abriu uma nova via às suas virtudes. Mas não foi senão mais tarde, em Margarida da Hungria, Inês de Monte-Pulciano, Catarina de Siena, que este ramo da Ordem dominicana deveria produzir os prodígios de santidade que foram depois tão numerosos. Francisco, mais feliz, encontra desde o início uma irmã, uma aliada digna dele.

Ao mesmo tempo que ele, pobre filho de comerciante, começava sua obra com alguns outros humildes burgueses de Assis, Clara Sciffi, nesta mesma cidade, filha de um conde poderoso, sente-se tomada de um zelo semelhante.

Um dia, aos dezoito anos, num Domingo de Ramos, enquanto as palmas que os outros fiéis levam vão secando e fanando, a sustentada por sua jovem mão refloresce e reverdece subitamente.

É para ela um preceito e uma advertência do alto. Na mesma noite, foge da casa paterna, penetra na Porciúncula, ajoelha-se aos pés de Francisco, recebe de suas mãos a corda, o vestido de grossa lã, e condena-se com ele à pobreza evangélica.

Em vão seus parentes a perseguem, sua irmã e inumeráveis virgens vêm juntar-se a ela, e rivalizar com ela em privações e austeridades.

Em vão os Soberanos Pontífices suplicam-lhe de moderar seu zelo, de dignar-se possuir alguma coisa de fixo, posto que uma severa clausura proíbe às monjas sair, como os Irmãos Menores, a implorar a caridade dos fiéis, e a reduz a esperá-la do acaso.

Ela resiste obstinadamente, e Inocêncio IV concede-lhe enfim o ‘privilégio da pobreza perpétua’, o único, dizia ele, que ninguém jamais pediu: “Mas Aquele, acrescentava, que alimenta os passarinhos, que vestiu a terra de verdura e de flores, saberá bem sustentar-vos até o dia em que Ele dar-Se-á a Si mesmo como alimento eterno a vós, quando, com Sua destra vitoriosa, vos abraçará em Sua glória e beatitude”.

São Francisco. Vicente Carducho (1576 ou 1578 - 1638)
São Francisco. Vicente Carducho (1576 ou 1578 - 1638)
Três Papas e uma multidão de outros santos e nobres personagens vêm junto a esta humilde virgem procurar luzes e consolações. Em poucos anos, ela vê todo um exército de mulheres piedosas, com rainhas e princesas à frente, surgir e estabelecer-se na Europa sob a regra de Francisco de Assis, e sob a direção e o nome dela, o de pobres Claras ou clarissas.

Mas no meio desse império de almas, sua modéstia é tão grande, que não foi vista, a não ser uma única vez, levantar as pálpebras para pedir ao Papa sua bênção, e somente então se pôde conhecer a cor de seus olhos. Os sarracenos vêm sitiar seu mosteiro: doente e acamada, levanta-se, toma em mãos o ostensório, caminha para a frente deles e os põe em fuga.

Após quatorze anos de uma santa união com São Francisco, ela o perde; então, entregue ela mesma às mais cruéis enfermidades, morre, depois de ter ditado um testamento sublime; e o Soberano Pontífice, que a tinha visto morrer, a propõe à veneração dos fiéis, proclamando-a Clara entre todas as claridades, luz resplandecente do templo de Deus, princesa dos pobres, duquesa dos humildes .

Como São Francisco em Santa Clara, Santo Antônio de Pádua encontrou na Bem-Aventurada Helena Ensimelli uma amiga e uma irmã.





continuará no post As duas trombetas de Deus: São Francisco e São Domingos – 3


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