domingo, 13 de junho de 2021

Santo Anselmo e as misteriosas vias de Deus

Santo Anselmo de Cantuária, catedral de Covington
Santo Anselmo de Cantuária,
catedral de Covington
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Santo Anselmo de Cantuária (1033 ca. – 1109), Bispo, Confessor e Doutor da Igreja, foi intrépido nos combates da Fé e defendeu a Igreja contra o Rei Guilherme, o ruivo...

Na sapiente “Vida dos Santos”, do Padre Réné François Rohrbacher (1789 – 1856), vol. VII, Editora das Américas, 1959, págs.133 e ss., lemos que os bispos ingleses decidiram sagrar Santo Anselmo como arcebispo de Cantuária mas ele recusou terminantemente, pois sabia da intromissão real neste cargo.

O santo era velho e mal conseguia carregar a si próprio, como poderia levar o fardo de toda uma Igreja?

Levaram-no ao rei Guilherme II que se encontrava gravemente enfermo.

O rei aflito disse-lhe:

“Anselmo, que fazes? Por que me envias ao Inferno? Não me deixes perecer, porque sei que estou condenado a morrer conservando este Arcebispado”.

Todos os assistentes acusavam Santo Anselmo de matar o rei.

O Santo voltou-se para os dois monges que o acompanhavam e disse: “Meus irmãos, por que não me socorreis?”

Um deles respondeu: “Se esta é a vontade de Deus, quem somos nós para resistir-lhe?”
Santo Anselmo conduzido ante o Rei Guilherme II Ilustração do Uma Crônica da Inglaterra de James Edmund Doyle
Santo Anselmo conduzido ante o Rei Guilherme II
Ilustração do Uma Crônica da Inglaterra de James Edmund Doyle

“Ai! – disse Anselmo – Vós vos rendestes mui prontamente”.

Vendo-o assim obstinado, acusaram-no de covardia. Buscaram uma Cruz tomaram-lhe o braço direito e o aproximaram do leito.

O rei lhe apresentou a Cruz mas ele fechou a mão. Os bispos empenharam-se em abri-la até fazê-lo gritar. Por fim seguraram-lhe a mão com a Cruz dizendo:

“Viva o bispo!” e entoaram o “Te Deum”. Levaram-no à igreja vizinha e sob seus protestos sagraram-lhe”.

Cantuária é a mais antiga diocese da Inglaterra e é, portanto, a sede primacial da Inglaterra. Os Arcebispos e os Primazes tinham certa influência sobre os bispos de seu país.

As comunicações com Roma eram muito demoradas e difíceis não havendo núncios apostólicos organizados.

Então havia necessidade dos bispos se apoiarem sobre um que fosse a pedra de ângulo de todos. E este era o Arcebispo de Cantuária.

Além do mais, germinava a futura Revolução no terreno temporal. Os reis queriam fazer da Igreja um instrumento de dominação material.

Queriam se assenhorear dos bens com que a Igreja socorria inúmeros pobres e mantinha o esplendor do culto divino.

Catedral de Cantuária
Catedral de Cantuária
Por outro lado, os bispos eram muitas vezes senhores feudais, e certos reis queriam se assenhorear de seus feudos

Então os monarcas queriam nomear bispos que fossem seus instrumentos nos cargos importantes.

É uma infantilidade pensar que isto não continua nos dias de hoje.

Não vejo arcebispos que façam resistência ao Presidente da República, quando este necessita ser repreendido por sua conduta.

Santo Anselmo era desejado pelo rei e pelos bispos para ser Arcebispo de Cantuária. Os bispos queriam um líder natural contra o rei.

E o rei doente achava que ia para o Inferno se não evitasse a catástrofe da má nomeação de um Arcebispo para Cantuária.

Poucas coisas fecham tanto a porta do Inferno quanto o medo dele.

Aí Santo Anselmo recusa o Arcebispado de Cantuária por algo verdadeiro: ele é velho, cansado, e tem receio de não conseguir se desempenhar num cargo tão pesado.

Tanto mais que ele devia conhecer bem o rei e os que vivem ao seu redor.

Santo Anselmo teria que travar uma luta contra o poder temporal, mas tal era a força de sua virtude e a confiança que todos tinham no auxílio da graça lhe prestaria, que todos o queriam Arcebispo.

Foi por meio dessa violência material, que talvez tivesse tido um caráter afetuoso no meio de sorrisos que houve um momento em que ele resolveu ceder.

Não coagido fisicamente, mas persuadido de que não deveria resistir. Santo Anselmo não aceitaria a sagração se estivesse convencido que outra era a vontade de Deus.

Ele teria morrido mártir, mas não teria se deixado sagrar se tal não fosse a vontade de Deus. Seria o primeiro martírio de um sacerdote que teria preferido ser morto a ser bispo...

Às vezes a graça divina se serve de meios muito estranhos, na sua sabedoria e na sua imensa liberdade de movimentos.

Meios imorais ou ilegítimos, jamais! Meios surpreendentes e desconcertantes, bem possivelmente.

Às vezes é preciso fazer até uma santa violência para com Deus.

Nosso Senhor tem a parábola admirável de um homem que está já deitado na cama e um cacete bate do lado de fora pedindo pão. Ele diz que não.

Afinal o homem é tão importuno que o dono da casa se levanta, abre a porta, dá os pães e acrescenta:

“É por causa da sua importunidade: vá embora”. Nosso Senhor explica: isto é o modelo de quem reza...

Quer dizer, quando não temos méritos, devemos ser muito insistentes.

Santo Anselmo de Canterbury, Iluminura do século XII das meditações de Santo Anselmo
Santo Anselmo de Canterbury, Iluminura do século XII das meditações de Santo Anselmo
Porque à força de insistência, como que caceteamos a Deus Nosso Senhor e obtemos aquilo que nós queremos.

Se tudo fosse clarinho, limpinho, ambiente de leiteria, a História da Igreja não seria a História da Igreja de Deus.

Faltaria a ela o santo mistério. Quanto mais é divino, tanto mais convém que nele haja mistérios.

É uma marca de superioridade divina que impõe respeito aos homens.

São Tomás de Aquino diz das palavras obscuras da Escritura que para a formação da mente humana, o divino precisa ter certos mistérios.

E por isto às vezes Deus fala misterioso, para exprimir Sua grandeza, Sua divindade e, mostrar quanto Ele é insondável e cheio de Sabedoria.

Só uma Igreja Santa e divina pode ter uma tal fortaleza, uma grandeza tal que nEla caiba mistério tão profundo, mistério tão tenebroso, mistério tão cheio de trevas quanto a Ressurreição.

Também é preciso a Igreja ser divina para não morrer na nossa era de mistério e no fim se mostrar gloriosa e resplandecente como se tivesse ressuscitado!

O pequeno fato misterioso da vida de Santo Anselmo nos faz voar às regiões muito mais altas dos grandes mistérios da Igreja Católica. E

Que Nossa Senhora num ato de amor pelo mistério tremendo da crise da Igreja diante do qual estamos, nos dé a certeza de que virão as grandes explicações.



(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de palestra de 20 de abril de 1967, sem revisão do autor. Apud PlinioCorreadeOliveira.info)

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