Nossa Senhora compôs o Magnificat quando foi visitar a Santa Isabel que aguardava a São João Batista, Heimsuchung Kremsmuenster |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A festa da Visitação de Nossa Senhora (2 de junho) está muito ligada ao hino Magnificat, que Nossa Senhora cantou nessa ocasião.
O Magnificat é uma obra-prima de raciocínio e mostra bem qual é o espírito de Nossa Senhora. Isto é, qual a estruturação lógica de seu espírito.
Mostra-nos também como no maior transporte de alegria e entusiasmo, Ela conserva uma estrutura racional que impressiona.
Ela decidiu cantar sobretudo o poder e a grandeza de Deus e os outros atributos divinos em função de seu poder e de sua grandeza.
Isto é muito pouco próprio da visão adocicada e amolecida da religião que, em vez de dar o devido realce à grandeza de Deus, apenas dá realce à misericórdia de Deus.
É claro que se deve cantar eternamente a misericórdia de Deus. Sem ela, nós não seríamos nada. Mas tampouco deve ser unilateral e encarar só sua misericórdia, ou só sua grandeza.
É preciso ter em vista uma coisa e outra.
O caráter do Magnificat aparece nos dois primeiros versos que afirmam uma tese:
A minha alma engrandece o Senhor;
e o meu espírito se alegrou em extremo em Deus, meu Salvador.
Depois expõe os motivos dos dois primeiros versos.
Primeiro motivo:
Por Ele ter posto os olhos na baixeza de sua escrava,
porque eis que de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
Engrandeço a Deus porque Ele fez tão grande obra: de uma simples serva humilde fez uma rainha que todas as gerações chamarão bem-aventurada.
Aqui está uma manifestação do poder de Deus.
Nossa Senhora do Magnificat, catedral de Leeds, Inglaterra |
Porque me fez grandes coisas O que é poderoso, e santo é seu nome.
Ele fez nEla grandes coisas que manifestam a grandeza dEle; e Ela então engrandece o Senhor.
Outra razão:
Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem.
Então, Sua misericórdia se estende de geração em geração porque Ele fez isso. É outra manifestação de sua enorme grandeza e misericórdia.
Mas só aqueles que têm temor de Deus percebem a grandeza de Deus.
É um temor reverencial, que reverencia a grandeza, a santidade e a bondade de Deus.
Manifestou o poder de seu braço;
dissipou os que no seu coração, formavam altivos pensamentos.
Deus também é grande em relação aos que não O temem. A esses manifestou o poder de seu braço e dispersou os maus que no fundo do coração formavam pensamentos orgulhosos.
Manifesta-se aqui a grandeza da cólera de Deus, depois de ser ter cantado a grandeza da misericórdia divina.
Nossa Senhora mostra Deus sempre grande em tudo. É diverso das unilateralidades meladas que só olham em Deus um aspecto, a misericórdia, e silenciam outros como a grandeza.
Ele depôs do trono os poderosos e elevou os humildes.
Depor do trono os poderosos não é tirá-los porque estão no trono e colocar um humilde.
Seria uma bobagem, porque o humilde no trono se tornaria poderoso e teria que derrubá-lo também. Se esse fosse o sentido teria que fazer que todos fossem iguais. Essa seria uma interpretação absurda de uma roda que vive derrubando quem está encima.
O verdadeiro humilde faz o que Ela faz nessa canção, isto é, atribui tudo a Deus, origem de todo o bem, fonte de todo o poder, na ordem natural e sobrenatural.
Humildes, por exemplo, eram os poderosos de quem Ela descendia como o rei Davi, que morreu no seu poder reconhecendo tudo isso.
O poderoso, de que fala a Santíssima Virgem, é quem não reconhece o poder de Deus, pensa que tem poder independente do concurso divino.
Ela canta o poder de Deus rindo de todo poder do orgulho humano.
Perto da grandeza de Deus, as grandezas humanas não são nada.
Visitação da Virgem a Santa Isabel, Notre Dame de Paris |
Encheu de bens os que tinham fome e despediu vazios os que eram ricos.
Deus enche de bens aqueles que são pobres de espírito e têm fome e sede de justiça
Os que não têm fome e sede de justiça são os apegados aos bens da terra, e Deus os despede empobrecidos.
Quer dizer, Deus pela Sua grandeza faz dos ricos pobres e dos pobres ricos, conforme entende. E protege ao povo eleito:
Tomou debaixo de sua proteção Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia,
assim como havia prometido a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre.
Quer dizer, Deus cumpre sua aliança até o fim.
O Magnificat é o hino triunfal da grandeza de Deus.
No momento em que Santa Isabel falou dEla, glorificando-A, Ela mostrou que se considerava nada diante dessa grandeza infinita de Deus.
Ela cantou com um fogo e um sentimento extraordinários, com equilíbrio, com uma construção racional comparável a uma construção da Suma Teológica de São Tomás, sob inspiração do Espírito Santo.
Aí temos esta nota racional do espírito de Nossa Senhora que figura nas poucas coisas que registra o Evangelho do que Ela disse.
Quando Ela recebeu o anúncio de que seria a mãe do Salvador, respondeu com uma objeção de caráter eminentemente racional: “Como pode ser isto, pois tenho um voto de virgindade?”
O anjo deu-lhe uma explicação. Quase como num silogismo, Ela respondeu: “Eis aqui a escrava do Senhor, portanto, faça-se em mim segundo a sua palavra”.
Quando encontrou o Menino Jesus no Templo. Ela pede uma explicação cheia de aflição: “Meu Filho, por que fizeste isto conosco? Teu pai e eu te procurávamos aflitos”.
O Magnificat inspirou inúmeras partituras. Esta é a do gregoriano tono VIII em latim |
Compreendemos ali como a alma católica está cheia de razão, de pensamento, de densidade em tudo que diz e faz.
Nossa Senhora, sede da sabedoria, é um exemplo da razoabilidade, ponderação, medida em tudo que se pensa e se diz.
No Magnificat não há uma palavra sobrando, um pensamento fora do lugar.
É uma joia perfeita em que cada pedra está colocada em seu lugar para dar uma ideia global do conjunto.
Aí temos o espírito de Nossa Senhora, tão diferente da bobeira dos sentimentalismos fátuos, dos entusiasmos vazios.
Ele nasce da razão, não nasce de uma exacerbação do sentimento, nem de uma coisa irrefletida.
Assim compreendemos que Ela é a Sede da Sabedoria.
Ter o espírito de Maria e ser escravo dEla é procurarmos essa sabedoria, essa ponderação, essa grande estruturação de raciocínios, de ideias, de pensamentos, na proporção de nosso nível intelectual, mas tudo razoavelmente, a razão dominada pela fé e o sentimento escravo à razão.
De maneira que ele vibra quando a razão manda e cessa de vibrar quando a razão se opõe.
E se em certo momento o sentimento não vibra com a razão, é a razão que vence e não o sentimento.
Essa é a escola de vida espiritual na imitação de Nossa Senhora.
E o atestado principal do ensinamento dEla é exatamente o Magnificat.
Comentários: Plinio Correa de Oliveira, 2 de julho de 1963 (excertos) apud pliniocorreadeoliveira.info
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