domingo, 20 de agosto de 2023

A Adoração das Quarenta Horas

No século XIII nasceu um Movimento Eucarístico que deu origem à Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento
No século XIII nasceu um Movimento Eucarístico
que deu origem à Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Rei e Senhor do Universo, merece Jesus Cristo Nosso Senhor, real e verdadeiramente presente na Sagrada Eucaristia, que se Lhe prestem honras públicas, devidas a seus direitos sobre toda a criação.

Entre elas, a piedade católica, sancionada posteriormente por decretos pontifícios, excogitou a Adoração das 40 Horas, em que durante três dias o Santíssimo Sacramento é solenemente exposto, noite e dia, à pública adoração.

Neste período, nenhum leigo deve entrar a rezar no presbitério.

Os Romanos Pontífices concederam inúmeras indulgências aos que publicamente façam atos de veneração ao divino Juiz e Rei Soberano, entre elas a de poder ganhar, em cada um dos três dias, uma indulgência plenária, fazendo uma visita a Sua Divina Majestade, tendo-se confessado e comungado, rezando diante do Santíssimo cinco Pater, Ave e Gloria, acrescentando mais um pelas intenções do Romano Pontífice.

Outrossim, tantas vezes quantas se faça tal visita, podem-se ganhar quinze anos de indulgência.

A seguir, um resumo da história desta devoção, das principais normas litúrgicas e de algumas normas práticas, adequadas às dificuldades das capelas pequenas, nas quais um só sacerdote estará presente.

História

Na Idade Média (pelo menos desde o século X), difundiu-se em muitos lugares a devoção ao Santo Sepulcro do Salvador.

Mantinha-se este erigido desde a Adoração da Cruz, na Sexta-Feira Santa, até a Missa de Ressurreição do Domingo de Páscoa.

O Concílio de Trento reforçou a devoção eucarística ao Corpo de Cristo, Corpus Christi
O Concílio de Trento reforçou a devoção eucarística ao Corpo de Cristo, Corpus Christi
Durante este tempo (cerca de 40 horas) os fiéis oravam diante dele, recitando ou cantando salmos e outras preces, em memória e reconhecimento da morte e sepultura do Senhor, que também esteve no Sepulcro cerca de 40 horas, segundo fundada opinião,

Ao princípio, punha-se no sepulcro o símbolo de Jesus Cristo: a Cruz. No século XII, depositava-se nele o Crucifixo ou a imagem de Cristo.

Mais tarde, no século XIV, colocou-se em relicário, incrustado no flanco desta imagem, o mesmo Corpo sacramentado de Jesus (com o qual a função adquiria um caráter de viva realidade, que excitava extraordinariamente a devoção dos fiéis).

Por último, colocou-se no Sepulcro — digamos Tabernáculo — unicamente Jesus Sacramentado.

Entretanto, esta devoção não seguiu em todas as partes o mesmo processo.

Já no século X o santo Bispo Ulrico, de Augsburgo, depositava no Sepulcro somente o Santíssimo Sacramento.

E no século XII os habitantes de Zara, metrópole da Dalmácia, também velavam Jesus Sacramentado, encerrado no Sepulcro, desde o entardecer de Quinta-Feira Santa até o meio-dia do Sábado Santo, por antecipar-se para este dia a Missa de Ressurreição, como se faz hoje.

Bastava que esta função — chamada já no século XIII Oratio XL Horarum in Passione Domini — se transferisse para outros dias do ano, para que dela resultasse a atual função das 40 Horas. O traslado fez-se no século XVI.

Em 1527, Antonio Belloto fundou na Igreja do Santo Sepulcro de Milão uma confraria, cujo objetivo precípuo era orar durante quarenta horas diante do Santíssimo posto no sepulcro, nas quatro principais festividades do ano, em memória da morte e sepultura de Jesus, com o fim de impetrar remédio para as grandes calamidades que então afligiam a Cristandade.

Dois anos mais tarde, o Pe. Tomás Nietto, OP, começou a propagar em todas as igrejas paroquiais de Milão essa devoção, divulgada em seguida por Santo Antonio Maria Zaccaria, com fruto ainda mais abundante, tanto em Milão como em Vicenza, pelos anos 1530 a 1534; com a particularidade de que este principiou a celebrar as 40 Horas com o Santíssimo Sacramento visivelmente exposto, como se fazia desde o século XIV em muitos lugares, em outras funções de Exposição.

Vale esclarecer que, quando foi introduzida a procissão de Corpus Christi, na segunda metade do século XIII, o Santíssimo era levado num vaso ou cálice cerrado e coberto por um véu.

As custódias ou monstratoria, que através de um cristal deixavam ver o Santíssimo Sacramento, parece que começaram a ser usadas no século XIV, e somente em alguns lugares.

Nos tempos de São Carlos Borromeo (1538-1584), observava-se em Milão um vestígio dessa disciplina antiga, pois, se bem que exposto o Santíssimo dentro de um vaso cilíndrico de cristal rematado em pirâmide, através do qual se podia ver a Sagrada Hóstia, tal vaso se cobria com um largo véu, por reverência à Sua Divina Majestade.

A Exposição do Santíssimo — visível ou velado no cálice — para sua adoração pelos fiéis é uma das principais manifestações do desenvolvimento do culto direto a Jesus na Sagrada Eucaristia, que teve lugar sobretudo a partir do século XIII, influindo não pouco sobre essa iniciativa o combate às heresias contra a presença real de Jesus Cristo no Sacramento, que apareceram a partir do século XI até o século XVI.

Tais heresias, avivando a crença do povo cristão na divina Eucaristia, fizeram sentir a necessidade de render a Nosso Senhor a homenagem que reclamam Sua divindade e Sua bondade no Santíssimo Sacramento.

Claro que contribuíram para estender mais e mais as Exposições, públicas ou privadas, a Festa de Corpus Christi e o exercício das 40 Horas.

Estas manifestações foram o termo feliz da evolução da devoção ao Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus reservava aos tempos modernos esse foco de piedade da Exposição da Sagrada Eucaristia, que sua Providência nos depara com a habitual suavidade de seus traços divinos.

Por fim, o famoso pregador Pe. José de Fermo promoveu, nos anos 1537 e 1538, a instituição da Adoração Perpétua nas igrejas de Milão, pela qual nestas se sucedia, sem interrupção, a celebração das 40 Horas.

Santo Inácio de Loyola, com os seus, levou esta devoção a Roma. Foram também os jesuítas que a introduziram na Alemanha.

Paulo V a aprovou por primeira vez em 1539, e Clemente XI ordenou definitivamente seu rito, estabelecendo-a em Roma, em turno de Adoração Perpétua, mediante a famosa Instrução Clementina, publicada em 1705.

Da capital do orbe católico, estenderam-se as 40 Horas por todo o mundo.


(Fonte: Pe. José Vendrell, Pe. Antonino Tenas, Pe. Pedro Farnés, Pe. Joaquín Solans, "Manual Litúrgico" - Subirana, Barcelona, 1955, 2º vol., pp. 351-352, 189-390)


Vídeo: Pange Lingua

domingo, 6 de agosto de 2023

O milagre de Tolbiac e a conversão da França

A battalha de Tolbiac Vitral da catedral de Laon
A battalha de Tolbiac Vitral da catedral de Laon
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






No ano 496, Clóvis I, rei dos Francos, devia enfrentar uma confederação de tribos dos alamanos dirigidos não se sabe ao certo por quem.

Antes mesmo da guerra, Clóvis foi visitar o túmulo de São Martinho de Tours, onde fez a promessa de que se faria católico se ganhasse a guerra.

O local da batalha é conhecido como “Tolbiac”, ou “Tulpiacum”, nome que se refere mais provavelmente a Zülpich, na Renânia do Norte – Vestefália, Alemanha.

Pouco se sabe do desenvolvimento da batalha, salvo que Clóvis viu seus guerreiros caírem um depois do outro e a derrota cada vez mais próxima.

No momento da degringolada geral, em prantos e com o remorso no coração, o rei bradou ao Deus de sua mulher, Santa Clotilde.

São Gregório, Bispo de Tours (538 – 594) e o maior historiador daquela época, registrou da seguinte forma a oração de Clóvis no capítulo II, 30-31, de sua História dos Francos:
“Ó Jesus Cristo, Vós que Clotilde me disse serdes filho do Deus Vivo, Vós que enviais vosso auxílio àqueles que estão em perigo, e concedeis a vitória aos que confiam em Vós, eu procuro a glorificação de vossa devoção com vossa assistência: se Vós me concederdes a vitória sobre estes inimigos, e se eu experimentar os milagres que o povo que cultua vosso nome diz ter acontecido, Eu crerei em Vós, e eu serei batizado em vosso nome.

Clóvis no desespero invoca o Deus de Santa Clotilde Paul-Joseph Blanc (1846-1904), Panteon, Paris
Clóvis no desespero invoca o Deus de Santa Clotilde
Paul-Joseph Blanc (1846-1904), Panteon, Paris
“Mais ainda, eu invoquei meus deuses, e estou vendo que eles falharam na hora de me ajudar, fato que me faz acreditar que eles não têm poderes, que eles não vêm em ajuda daqueles que os servem. É a Vós que brado novamente, eu quero acreditar em Vós, mas só se eu for salvo de meus adversários.”

Tendo dito estas palavras, os alamanos começaram a fugir. E quando viram seu chefe cair morto, submeteram-se a Clóvis, dizendo:

“Não permitais que o povo siga morrendo, nos vos rogamos; nós agora somos vossos”. Clóvis mandou parar o combate e exortou os derrotados a se retirarem em paz e disse à rainha que ele teve o mérito de obter a vitória invocando o nome de Cristo. Isto aconteceu no ano décimo quinto de seu reinado”.

São Gregório de Tours foi o primeiro a descrever esta batalha, fazendo um paralelismo direto com a conversão do imperador romano Constantino, o Grande, antes da batalha de Ponte Mílvia (312).

O santo historiador acrescenta que a rainha consultou São Remígio, Bispo de Reims, para ir ver Clóvis secretamente e apressá-lo a entrar no reino da salvação. E o bispo foi secretamente e começou a instá-lo a acreditar no Deus verdadeiro, criador do Céu e da Terra, e a deixar de adorar ídolos incapazes de se ajudarem a eles próprios, e tanto menos aos outros.

O batismo de Clóvis, por São Remígio, Reims, França
Porém, o rei respondeu: “Eu vos ouço comprazido, santíssimo padre; mas fica uma coisa: o povo que me segue não consegue abandonar seus deuses; mas eu irei até eles e falarei, transmitindo vossas palavras”.

Clóvis reuniu-se com seus seguidores, porém antes que ele conseguisse falar, o poder de Deus se antecipou e todo o povo bradava conjuntamente: “Ó piedoso rei, nós rejeitamos nossos deuses mortais, e nós estamos prontos a seguir o Deus imortal que prega Remígio”.

Isto foi relatado ao bispo, que ficou grandemente regozijado e mandou preparar a pia batismal. As praças ficaram recobertas com toldos feitos de tapeçarias, as igrejas foram adornadas com cortinas brancas, o batistério foi ordenadamente arranjado, o aroma do incenso se espraiava, as velas odoríferas ardiam brilhantemente, e todo o prédio do batistério ficou cheio de uma fragrância divina; e o Senhor concedeu uma tal graça aos que ali estavam, que eles começaram a achar que se encontravam em meio aos perfumes do paraíso. E o rei foi o primeiro a pedir para ser batizado pelo bispo. Foi assim que um novo Constantino se aproximou da pia batismal”.

Santa Clotilde
Santa Clotilde
Clóvis – ou Chlodovechus em latim – foi o primeiro rei dos Francos, pois conseguiu a obediência de todas as tribos francas.

Fundador da dinastia merovíngia, que reinou durante duas décadas, ele inaugurou a história da França na pia batismal.

Quando jovem, Clóvis chegou a ser comandante da província militar romana Belgica Secunda.

Porém, ele se voltou contra os chefes romanos, e na batalha de Soissons (486) pôs fim ao domínio do Império Romano fora da Itália.

Posteriormente derrotou os turíngios, aliou-se aos ostrogodos, e após vencer os alamanos, instalou sua capital em Paris, onde fundou a abadia dedicada aos Santos Pedro e Paulo, no Quartier Latin.

Guerreou depois contra o reino dos borguinhões, derrotou os visigodos, expulsando-os para sempre da Gália, e conquistou a Aquitânia.

Ele codificou a lei sálica franca incluindo grandes partes do Direito Romano, pelo que o código ficou conhecido como “Código Romano”.

Clóvis e sua mulher Santa Clotilde foram enterrados na Abadia de Santa Genoveva, em Paris.

Posteriormente os restos dos dois foram transferidos para a Abadia de Saint-Denis, túmulo dos reis da França, onde hoje repousam.



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