domingo, 24 de novembro de 2024

Nossa Senhora da Conceição da Escada; antiga devoção mariana popular de Portugal e do Brasil, ligada ao mar

Nossa Senhora da Escada, Lisboa, Portugal. Fundo: castelo de São Jorge
Nossa Senhora da Escada, Lisboa, Portugal. Fundo: castelo de São Jorge
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Não é de estranhar que, pela acentuada vocação marítima de Portugal, tenha sido a devoção dos marinheiros de Lisboa uma das mais populares no país, e, por essa razão, uma das primeiras a se implantar no Brasil.

Escada?

Que nome estranho para designar uma devoção a Nossa Senhora, poderão pensar alguns ao ouvi-lo.

Outros, mais eruditos, estabelecerão talvez um nexo com a escada de Jacó, narrada na Sagrada Escritura, pois o Patriarca sonhou com uma escada que levava ao Céu.

De modo análogo, Nossa Senhora leva ao Céu, logo... E ainda outros, quiçá, relacionarão o nome com imagens da Paixão de Cristo, dado que, muitas vezes, Nossa Senhora aparece ao lado da escada utilizada para descer o corpo de seu Divino Filho da cruz.

O que ninguém consegue imaginar é a razão verdadeira da invocação Nossa Senhora da Conceição da Escada.

Na origem do nome, singeleza de circunstâncias naturais

Qualquer pessoa dotada de cultura básica conhece a enorme importância que tiveram as navegações e descobrimentos portugueses nos séculos XV e XVI, bem como o fato de terem sido os navegantes lusos que uniram, por via marítima, diversos continentes.

E que tal epopeia ocorreu mediante viagens realizadas a bordo de navios que, se comparados aos de hoje, eram semelhantes a frágeis cascas de nozes.

Coragem não faltou aos navegantes daquela época. Também não faltou fé e fortaleza para correr todos os riscos. E tal fé dos marinheiros lusos encontrava uma expressão encantadora na devoção a Nossa Senhora da Conceição da Escada, na cidade de Lisboa.

A imagem original da Virgem Santíssima – que depois ficou conhecida sob essa invocação – é muito antiga, anterior à reconquista da cidade aos mouros, em 1147.

Ela se encontrava em uma capela situada à margem do rio Tejo. Ao partir, os marinheiros encomendavam-lhe seus trabalhos, e agradeciam sua proteção ao voltar. Como a margem do rio é elevada, precisavam subir ou descer os 31 degraus que separam a capela do rio.

A devoção a Nossa Senhora da Escada se espalhou pelo Brasil. Nossa Senhora da Escada, Escada, PE
A devoção a Nossa Senhora da Escada se espalhou pelo Brasil.
Nossa Senhora da Escada, Escada, PE
Por isto, com a passar do tempo, a imagem de Nossa Senhora da Conceição começou a ser chamada de Conceição da Escada, para diferenciá-la de outras imagens de Nossa Senhora da Conceição.

Desse fato resultou que a imagem passou a ser conhecida como Nossa Senhora da Escada.

Dada a importância que a vida ligada ao mar tinha para o povo português naquela época, é compreensível que a referida imagem fosse das mais veneradas.

De onde se explica que, cada vez que se decidia a realização de procissões para celebrar tal ou qual vitória, ou pedir proteção contra este ou aquele flagelo, eram as procissões da capela de Nossa Senhora da Escada das mais concorridas.

Com o tempo, começaram a acorrer à capela pessoas em barcos de locais longínquos, a fim de cumprir promessas e votos, bem como agradecer favores recebidos. Numa determinada época, realizava-se uma procissão com tochas acesas, provavelmente à noite, que descia o rio até chegar à capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição da Escada.

Vitória de Aljubarrota fortalece devoção

A procissão mais importante, porém, era a que comemorava a vitória dos portugueses em Aljubarrota, no ano de 1385.

As tropas portuguesas, comandadas pelo Venerável Nun'Álvares Pereira, lutavam não só para defender a independência do país, mas sobretudo para este não cair no cisma que ameaçava dividir a Cristandade, já que o Rei de Castela na ocasião apoiava um antipapa.

Após travarem a luta em condições de inferioridade numérica, os portugueses obtiveram memorável vitória.

Ao ter notícia do triunfo, o povo acudiu em massa aos diversos santuários do país, e um dos mais concorridos foi o de Nossa Senhora da Escada, onde pessoas de todas as classes sociais se dirigiram para agradecer a Nossa Senhora a insigne proteção.

Que tenham sido de todas as classes sociais não é de estranhar, pois à Marinha dedicavam-se representantes de todos os segmentos sociais da época. Desde os nobres mais elevados que comandavam as armadas com destino à África ou à Ásia, até os mais humildes servidores.

Devoção expande-se para Bahia e São Paulo

Com as descobertas marítimas que iam sendo feitas, a Fé católica ia se expandindo. Por isso, ao dominar novos territórios, uma das primeiras preocupações dos portugueses era ensinar as verdades da Fé aos habitantes do local.

E nada melhor para consolidar uma alma no caminho da verdadeira Religião do que ensiná-la a amar e confiar nAquela que é a Mãe de Deus, e por isso mesmo, nossa advogada.

A devoção a Nossa Senhora da Escada se espalhou pelo Brasil. Nossa Senhora da Escada, Guararema, SP
A devoção a Nossa Senhora da Escada se espalhou pelo Brasil.
Nossa Senhora da Escada, Guararema, SP
Como dois dos primeiros locais a serem colonizados em nosso País foram a Bahia de Todos os Santos e zonas na região próximas ao litoral de São Paulo, é compreensível que aí se encontrem as duas capelas dedicadas a Nossa Senhora da Escada.

A existente na Bahia apresenta uma característica muito antiga, da época da escravidão: os escravos, quando ainda não batizados, não podiam ficar dentro da Igreja, permanecendo num alpendre junto à entrada. É por isso que o pequeno templo possui um amplo alpendre.

A outra capela situava-se numa vila chamada Escada, nome este proveniente da própria invocação mariana. Tal capela está situada cerca de Guararema, cidade a 80 quilômetros da capital paulista. Devido à sua proximidade do rio Paraíba, essa vila era frequentada tanto por pescadores como por viajantes que navegavam rumo ao Rio de Janeiro.

Quando passou por lá, em 1717, o Conde de Assumar, Governador de São Paulo, Escada era uma vila que já possuía sua própria Câmara Municipal. Mas o pequeno núcleo não prosperou, e com sua decadência também foi minguando a devoção mariana que lhe deu origem.

As devoções marianas não constituem, via de regra, um fruto artificial, ocasionado por algum interesse humano. Elas florescem naturalmente quando Nossa Senhora distribui suas graças, valendo-se, por exemplo, de uma imagem sob esta ou aquela invocação.

E se o povo é verdadeiramente piedoso, costuma corresponder a essas graças, propaga-se naturalmente a devoção Àquela que o sustenta nas duras lutas da vida.

Quando, porém, a população decai em fervor e não mais invoca a Virgem Santíssima, as devoções ligadas a alguma capela ou imagem também por vezes decaem.

As pessoas deixam de frequentar o local, e vão se esquecendo das graças recebidas.

Nessas condições, não raro Nossa Senhora opera novo prodígio, a fim de reerguer a antiga devoção. Mas, infelizmente, nem sempre os homens correspondem à nova manifestação da bondade materna.

Dois terremotos e decadência da devoção

Foi o que aconteceu com a imagem de Nossa Senhora da Escada em Portugal. Em 1531 um terremoto destruiu a capela, que foi reedificada. Mas como a devoção continuava decaindo aos poucos, permitiu Nossa Senhora que novo terremoto em Lisboa, mais terrível que o anterior, destruísse o pequeno templo em 1755.

Nos dois casos, os edifícios que abrigavam a imagem foram destruídos, salvando-se contudo, milagrosamente, entre as ruínas, tanto a efígie mariana como o altar em que ela se encontrava.

A decadência do culto a Nossa Senhora sob essa invocação havia chegado a tal ponto, que a capela da Escada não foi mais reconstruída.

Nossa Senhora da Escada, Barueri - SP
Nossa Senhora da Escada, Barueri - SP
Por isso, a primitiva imagem foi levada para o templo de Nossa Senhora das Mercês em Lisboa, onde se encontra até hoje. Pareceria um triste fim de uma invocação mariana antes tão difundida.

Renascimento promissor

Entretanto, a devoção não morreu. Ela deitou raízes em nosso País, surgindo várias capelas a ela dedicadas,.

É o caso da que foi edificada na vila da Escada, acima referida, no Estado de São Paulo, e anos atrás em Curitiba, no bairro Novo Mundo.

Peçamos à Mãe de Deus que este seja um sinal do revigoramento dessa bela devoção tão acendrada em nossos ancestrais lusos, especialmente os navegadores, que a trouxeram para a Terra de Santa Cruz.

Nossa Senhora da Conceição da Escada é a Padroeira da cidade de Barueri, cuja festa celebra-se em 21 de novembro.

Capela Nossa Senhora da Escada - Barueri


Produzido por Maria José V.Martins - curso de pedagogia UFSCAR-sl. 1 (G4) pólo Jandira


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domingo, 10 de novembro de 2024

São Jacinto e o milagre eucarístico de Legnice:
para médicos, hóstia é tecido humano

São Jacinto foge de Kiev em chamas salvando a Eucaristia e a imagem de Nossa Senhora. Leandro Bassano (1557-1622), igreja de São João e São Paulo, Veneza
São Jacinto foge de Kiev em chamas salvando a Eucaristia e a imagem de Nossa Senhora.
Leandro Bassano (1557-1622), igreja de São João e São Paulo, Veneza
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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São Jacinto (1185-1257), chamado de “Apóstolo do Norte”.

O santo foi um religioso dominicano polonês do século XIII, grande pregador da Eucaristia e da Adoração do Santíssimo Sacramento.

Em 1240, hordas de mongóis pagãos invadiram o mundo eslavo em fase de conversão, devastando cidades, campos e pilhando as igrejas.

Atacaram então a cidade de Kiev, hoje capital da Ucrânia, onde São Jacinto rezava diante do Santíssimo Sacramento.

Percebendo que a cidade iria cair nas mãos dos bárbaros, ele tirou do sacrário o cibório contendo as sagradas hóstias do sacrário com a intenção de fugir e assim salvar as sagradas espécies.

Nessa hora o santo ouviu uma voz, proveniente de uma imagem de Nossa Senhora feita em alabastro:

– “Jacinto, você vai fugir e deixar-me sozinha? Leve-me com você”.

– “Querida Mãe, sua estátua é muito pesada, como poderei levá-la?”, disse ele.

– “Meu Filho vai torná-la ligeira, leve-me”, replicou Nossa Senhora.

E, com efeito, a estátua ficou leve como uma pluma. São Jacinto colocou então o cibório com o Santíssimo Sacramento e a estátua da Virgem sob a sua capa dominicana.

São Jacinto, vitral da igreja de Santo Domingo, Washington, D.C..
São Jacinto, vitral da igreja de Santo Domingo, Washington, D.C..
Acompanhado por outros religiosos, conseguiu milagrosamente cruzar o grande rio Dnieper que corta a cidade e atravessar o acampamento dos bárbaros mongóis sem ser detectado.

São Jacinto fundou mosteiros dominicanos na Ucrânia e na sua Polônia natal, onde faleceu na cidade de Cracóvia.

Mas sua influência não se esgotou nos tempos medievais.

Três séculos depois, quando os protestantes apareceram para negar a Presença Real de Jesus Cristo na Eucaristia e se revoltarem furiosamente contra a devoção a Nossa Senhora, o nome e as imagens do religioso, cujo processo de canonização ainda estava em andamento em Roma, multiplicaram-se piedosa e assombrosamente em ícones, pinturas e esculturas.

Foi então que os Papas aprovaram a difusão de sua devoção. Ele foi canonizado no dia 17 de abril de 1594 pelo Papa Clemente VIII. O Papa Inocêncio XI nomeou-o padroeiro da Lituânia.

Ele é apresentando com uma grande estátua da Virgem numa mão e um belo ostensório eucarístico na outra, atravessando miraculosamente o rio e o acampamento dos bárbaros.

Os devotos de São Jacinto sublinham que a aprovação de recente milagre eucarístico na Polônia tenha acontecido no dia 17 de abril de 2016, aniversário da canonização do santo.

São Jacinto é mundialmente cultuado pelos seus milagres e pelo exemplo heroico de arriscar sua vida para não permitir que a Eucaristia fosse objeto de sacrilégio ou profanação por aqueles que não são dignos.

Por isso também é significativo que o mais recente milagre eucarístico proclamado pela Igreja tenha acontecido no santuário a ele consagrado em seu país natal.

A hóstia que devia se dissolver começou a transudar sangue e formar tecido (foto acima). Embaixo ampliação.
A hóstia que devia se dissolver começou a transudar sangue
e formar carne com aparência de humana (foto acima).
Embaixo ampliação.
Com efeito, o bispo de Legnica, na Polônia, Mons. Zbigniew Kiernikowski, proclamou oficialmente um prodígio do Santíssimo Sacramento acontecido na igreja de São Jacinto dessa cidade.

O bispo autorizou os fiéis venerarem a hóstia ensanguentada que, segundo o decreto episcopal, “tem as características que definem um milagre eucarístico”, informou o site “Religión en Libertad”.

A cidade de Legnica (em alemão: Liegnitz, em polonês: Legnicy) fica na região da Baixa Silésia, no sudoeste da Polônia.

O milagre aconteceu na Missa de Natal de 2013, quando uma hóstia consagrada caiu no chão durante a distribuição da Sagrada Comunhão no santuário de San Jacinto.

A hóstia foi recolhida e colocada num recipiente com água (“vasculum”) para se dissolver, como mandam as sapienciais normas canônicas nesses casos, nem muitas vezes respeitadas nos dias de hoje.

Porém, uma vez na água, apareceu na hóstia uma mancha vermelha de textura singular, que fazia pensar em tecido humano.

O então bispo de Legnica, Mons. Stefan Cichy, instituiu uma comissão para investigar o acontecido com a sagrada forma.

Em fevereiro de 2014, com a permissão da diocese, um fragmento da hóstia com aspecto de tecido ensanguentado foi retirado e colocado sobre um corporal. Depois foram recolhidas amostras para serem analisadas em laboratórios de diferentes institutos forenses.

Os médicos dos Departamentos de Medicina Legal consultados verificaram que os fragmentos recolhidos contêm células de músculo estriado transversal semelhantes às do músculo cardíaco.

O bispo de Legnice proclama o milagre eucarístico no santuário de São Jacinto.
O bispo diocesano proclama o milagre eucarístico
no santuário de São Jacinto.
Segundo o “Catholic Herald”, os testes foram realizados no Departamento de Medicina Legal, em Wroclaw (em alemão: Breslau), no início de 2014.

Outro estudo foi realizado posteriormente pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade de Medicina da Pomerania, em Szczecin (em alemão: Stettin, em português: Estetino), acrescentou a revista britânica.

Esse laboratório concluiu que “na imagem histopatológica, nos fragmentos (da Hóstia) foram achadas partes fragmentadas de músculo estriado transversal. É mais semelhante ao músculo cardíaco.

“Os testes também determinaram que o tecido é de origem humana, e verificou-se nele sinais de agonia”.

Considerando a relevância dos pareceres médico legais, em janeiro de 2016 D. Kiernikowski encaminhou o caso ao Vaticano, submetendo-o à consideração teológica da Congregação para a Doutrina da Fé.

Essa importantíssima Congregação vaticana declarou-se favorável à exposição da hóstia miraculosa à veneração pública, e recomendou que se explicassem bem os fatos aos fiéis.

A hóstia fica exposta numa capela do santuário de São Jacinto sob a responsabilidade do pároco, Pe. Andrzej Ziombrze.

No documento de proclamação do milagre, o bispo afirma: “Espero que isso sirva para aprofundar a adoração da Eucaristia e tenha um impacto inconfundível na vida das pessoas que se aproximam da relíquia. Vemos isso como um exemplo maravilhoso, uma expressão particular da bondade e do amor de Deus”.

Médicos forenses tiraram amostras, analisaram em laboratórios e concluíram 'é tecido muscular humano' como o de um coração de um homem em agonia.
Médicos forenses tiraram amostras, analisaram em laboratórios
e concluíram: 'é tecido muscular humano'
como o de um coração de um homem em agonia.
O texto completo do decreto do bispo, vertido para o inglês, pode ser lido AQUI:

A esperança do bispo é de grande importância para a nossa época, quando se pretende entregar a Eucaristia a pecadores públicos, esquecendo que n’Ela estão verdadeira, real e substancialmente presentes o Corpo, o Sangue, a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

No site da paróquia onde ocorreu o milagre há mais fotos e explicações, mas só em língua polonesa.

Obedecendo às instruções do bispo, um livro aberto recolhe no santuário o testemunho das graças recebidas e “outros eventos milagrosos”.


MILAGRES EUCARÍSTICOS - VEJA MAIS EM:




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domingo, 27 de outubro de 2024

Um diálogo sincero entre um rei santo e um ímpio maometano

Caravaca de la Cruz: santuário erigido para custodiar a relíquia da Verdadeira Cruz.
Caravaca de la Cruz: santuário erigido para custodiar a relíquia da Verdadeira Cruz.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
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continuação do post anterior: Festa de adoração da Cruz e batalha de São Fernando contra os mouros na Espanha


Sultão: Tranquilo, sim... o deve estar, e com sobrada razão, quem não tem coração, ou como o teu, que é de neve!

De grande ruindade se necessita – disse ruindade?, de covardia! – para vir neste dia falar de uma Cruz bendita, de um Deus que será um qualquer, e que na verdade e não gracejando, será um criado de Maomé dos de mais baixa extração.

São Fernando: Ímpio, cala esses lábios!

Sultão: Cristão, não alces o grito, pois para um lenho e um mito não há ofensa nem agravos. Seu valor é tão minguado e tão mesquinho seu preço, que só com meu desprezo considero-o muito bem pago.

Já verás, grande General, dentro de breves momentos, essas cruzes e esses contos aonde vão parar.

Já verás o fim que têm teus orgulhos altaneiros e esses míseros guerreiros que lutar contra mim vêm. Sangue, lodo e confusão ficarão apenas deles antes que o Sol seus resplendores retire desta mansão.

Caravaca de la Cruz: confraria de mouros.
Caravaca de la Cruz: confraria de mouros.
E ao golpe dos cutelos de minhas hostes agarenas [descendentes de Agar] cobrirão estas arenas os corpos dessas falanges, e uma por uma cortadas suas cabeças desgrenhadas, em minhas altas fortalezas ordenarei sejam penduradas, onde a águia e o milano, com suas garras como o ferro, não deixem rastro de um cão desse exército cristão.

E essa Cruz tão altaneira, falsa, enganosa e mentirosa, a olharás convertida em mastro de minha bandeira.

O que eu disse? Loucura foi elevá-la a tal destino: a queimo... e teu Deus divino que a tire da fogueira.

São Fernando: Maldito sejas, agareno, maldita a tua raça moura e maldito quanto adora esse povo sarraceno. Infame, blasfemo, vil, escória suja do inferno, aborto do mesmo inferno e venenoso réptil!

Já para ti não há perdão, africano mal nascido, que de meu peito ouviste a piedosa compaixão.

Guerra de morte, miserável! Guerra sem quartel, para ti e essa canalha asquerosa e desprezável; e extermínio, sangue e fogo, que façam de seus ídolos farrapos e reduzam a cinzas esse Alá que renego!

Caravaca de la Cruz: confraria de cristãos.
Caravaca de la Cruz: confraria de cristãos.
Só isto espero, traidor! Só isto espero, covarde! Tremes? Pois onde está tua gabolice de arrogância e valor? O que fizeste daqueles brios que mostravas belicoso quando humilde e silencioso escutei teus desvarios?

Que grande mentira revela esse rosto contorcido, de uma simples mulherzinha mais próprio que de um soldado.

Sultão: Cristão!

São Fernando: Não há um só minuto a perder. Escuta: quiseste luta? À luta, até morrer ou vencer.

Manda mouros aos milhões, traz teus estados inteiros, que um punhado de guerreiros basta para as tuas legiões.

Diz a Alá que te empreste luz, diz a ele que de sua altura desça e em minha presença ultraje a minha Santíssima Cruz!

Cruz bendita, Cruz gloriosa, Mãe do mundo cristão, vem e que o cão africano se cegue ao ver-te tão formosa.

Vem em minha ajuda, vem radiante de glória e preside a vitória dos filhos de teu Deus.

Andor da relíquia da Cruz em Caravaca
Andor da relíquia da Cruz em Caravaca
Vem a essa luta e goza, pois a pele desse agareno cobrirá o pó e a lama por onde tua carruagem passar.

Vem que teu filho está aqui, e terminando esta guerra não haverá um só lugar na Terra onde não se adore a Ti. À batalha agora mesmo!

Sultão: Mas se o prazo se dilatasse.

São Fernando: Encontrar-te-ei, ainda que te ocultasses no seio do abismo! Tua cabeça é minha ambição, dar-te morte, meu desejo, e cuspir em teu rosto feio, minha maior satisfação. Afasta-te mouro ímpio!

Sultão: Voltarei, cão cristão...

São Fernando: Não voltarás, africano, juro-o pelo meu Deus.

Sultão: Guerra de morte, cristão!

São Fernando: Guerra de morte, sarraceno!

Sultão: Viva nosso Alá agareno!

São Fernando: Viva nossa Cruz bendita!

Povo: VIVA!







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domingo, 13 de outubro de 2024

Festa da Adoração da Cruz e
da batalha de São Fernando contra os mouros na Espanha

Caravaca de la Cruz: andor da relíquia da Santa Cruz em procissão escoltada por cavaleiros cristãos
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Na cidade espanhola de Caravaca de la Cruz, região de Murcia se realiza todos os anos um rico e original cerimonial para adorar uma relíquia da Santa Cruz.

O Ritual do Banho da Santíssima e Verdadeira Cruz nasceu na Idade Média, quando Caravaca era terra de fronteira com o Reino muçulmano de Granada e constitui um dos mais antigos desse gênero.

A cerimônia vem sendo celebrada pelo menos desde o ano 1384.

Pelo fato das guerras contínuas promovidas pelos islâmicos contra os cristãos a procissão e adoração da Cruz foi sempre acompanhada por uma escolta militar.

Após a expulsão dos mouros do território espanhol invadido a Sagrada Relíquia da Cruz continuou saindo em procissão do Santuário até o ‘banho’, fora dos muros da cidade.

Este singular ‘banho’ consiste em que uma parte do relicário da Cruz é submergido nas águas limpas e claras da fonte e que banharão, ou regarão, as férteis terras.

O Templete onde está a fonte das águas que vão ser abençoadas
O Templete onde está a fonte das águas que vão ser abençoadas

A Solene Procissão do Banho

A procissão sai da Paróquia do Salvador em direção ao chamado Templete [Templinho], levando o augusto relicário com a cruz de Cristo em esplêndido andor de prata.

Simbolicamente desfilam confrarias de “Mouros” e Cristãos, precedendo o carro procissional da Cruz.

Quando este carro chega ao alto da encosta, onde se divisa o Templete, realiza-se a vistosa ré-encenação do Parlamento entre o sultão mouro Ceyt Abuceyt, e o rei São Fernando III o Santo, acontecido em 1231.

Diálogo entre o rei santo e o sultão

O Parlamento ou conversa prévia ao combate era frequente na Idade Média e visava um entendimento que evitasse a luta e o derramamento de sangue.

O diálogo entre os dois monarcas, na sua versão atual foi escrito por José Ortega Martínez, membro da Confraria da Vera Cruz de Caravaca, em 1883. (ver embaixo o vídeo)

Como conta a história, a reconciliação foi impossível e os dois líderes, o santo e o maometano, empurraram suas tropas para a batalha.

Desde o alto da encosta, uma grande Cruz preside o magnifico campo de batalha, e espera que se dirima a luta, a fim de descer majestosa para seu ‘banho’ nas águas do Templete.

Trata-se de uma das cenas históricas das mais sugestivas: os reis preparados, rodeados por suas respectivas hostes com espadas, cutelos, estandartes e bandeiras, enquanto a Cruz preside a discussão.

A encenação é vivida com intensidade e os espectadores, atentos ao discorrer das estrofes, participam com aplausos de repulsa e aprovação.


O sacerdote imerge a Cruz na fonte e abençoa as águas
O sacerdote imerge a Cruz na fonte
e abençoa as águas
O posterior simulacro de combate, lembrança da batalha verdadeira acontecida outrora, dá lugar a uma luta desgarrada, insultos recíprocos, o triunfo da Cruz, sons de clarins, gritos, confrontos, ruídos de espadas, disparos e cheiro de pólvora dos trabucos, símbolos dos dois exércitos com cujas vozes as pessoas se animam.

A Bênção das Águas

Após o Parlamento e a batalha, realiza-se o Banho da Cruz e a Bênção das Águas.

A região é semiárida é a rega é fundamental. A devoção pedia que em sinal de impetração à Providência Divina que tudo rege com sabedoria, as próprias águas que iam fertilizar as terras fossem abençoadas especialmente.

Depois do ‘banho’, a procissão continua até a noite pelas ruas centrais da cidade até a Paróquia do Salvador, onde a relíquia fica exposta para adoração.



Tradução do Parlamento




Eis o texto do ‘Parlamento’ com as palavras do rei santo e do insolente chefe islâmico:

São Fernando: Convoquei-te, e vieste pressuroso à convocação; peço à minha Cruz bendita que o céu te faça ditoso.

Sultão: No Parlamento me anunciaram os sons de teus clarins, e venho saber as razões que te impulsionaram a tal. Sê breve.

São Fernando: Já o verás, pois assalta-me a impaciência em fazer cumprir minha consciência um sagrado dever.

Sultão: Diz, pois, cristão.

São Fernando: Sultão! Nossos bravos soldados, frente a frente situados, prontos para a luta estão.

O relinchar dos brutos e o ranger das couraças se ouvem quais ameaças de desolação e de luto. Logo os resplendores desse sol que nos ilumina se converterão em penumbra cheia de sangue e horrores.

E esse tapete matizado de violetas e tomilhos, e esses ternos passarinhos que cantam nos galhos, e essas fontes cristalinas nas quais se olham os céus, e esses mansos riachos, essas colinas bordadas, ruínas ficarão amanhã da destrutora guerra e não haverá um palmo de terra que não tenha uma tumba humana.

Sultão: Tétrica é a descrição que fazes da guerra. Crês que meu ânimo se aterra? Termina já o teu sermão.

São Fernando: Sê indulgente, grande Sultão, e um momento mais escuta.

Sultão: Vamos, cristão, à luta.

Caravaca de la Cruz, confraria de cristãos.
Caravaca de la Cruz: confraria de cristãos.
São Fernando: É que eu a quero evitar. Quero que sejamos irmãos, que como tais nos amemos, e só adoremos ao Deus que nós cristãos adoramos.

Que não busques outra luz do mundo em nosso caminho que a do farol divino de minha Santíssima Cruz.

Que jamais ostentar deixes, essas relíquias mentirosas de seitas envilecidas, que obras são dos hereges.

Que te inspires em meu Deus, de Céus e Terra Rei, e de sua divina Lei caminheis sempre em pós.

Que apagues teu fero rancor e a fazer paz te decidas, para salvar estas vidas que vai ceifar o aço, e com nobreza e honra os exércitos unidos, a partir de hoje fiquem convertidos à graça do Criador.

O falar-te neste estilo já vês que não me envergonha, cumpri assim com minha consciência e espero o julgamento tranquilo.


continua no próximo post: Um diálogo próprio de um rei santo com um ímpio maometano



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