Santa Clotilde, igreja de Saint-Germain l'Auxerrois, Paris |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Gundioch, rei da Borgonha, morrera numa batalha contra os bárbaros, em defesa da Fé e de seus Estados. Seus quatro filhos, desejando governar, dividiram o pequeno reino.
A mais velha das irmãs, Fredegária, tomou o véu religioso num mosteiro, onde terminou seus dias em odor de santidade.
Clotilde, a mais nova, por “sua doçura, piedade e amor pelos pobres, fazia-se bendizer por todos aqueles que viviam a seu redor”.
“Essa jovem princesa demonstrou uma constância admirável em meio a seus infortúnios, e começou a brilhar, como um milagre de honra e de virtude, pela santidade de suas ações....
“Seu porte era belo, suas maneiras agradáveis, seu rosto bem feito e de uma beleza tão regular, que não se podia ver nada de mais bem acabado”.
A fama de tal virtude e beleza chegou ao vizinho reino dos Francos (depois França), onde seu jovem e fogoso rei, Clóvis pensou em desposar a virtuosa princesa, apesar de ser ela católica.
Certamente influiu nessa decisão o Bispo São Remígio, no qual o rei franco depositava inteira confiança.
As bodas realizaram-se no ano de 493 em Soissons, com toda a suntuosidade da época.
“No palácio do rei franco instalou-se um oratório católico, onde diariamente se ofereciam os Sagrados Mistérios, aos quais a Santa assistia com singular devoção” (1).
Um ano após o casamento, Clotilde deu à luz um herdeiro, e obteve de Clóvis licença para batizá-lo.
Poucos dias depois, o pequeno inocente foi para o Céu. O rei, irado, alegou que se ele tivesse sido consagrado aos seus deuses, não teria morrido.
A rainha protestou com firmeza dizendo que se alegrava pelo fato de Deus os ter julgado dignos de que um fruto de seu matrimônio entrasse no Céu.
E que, em vez de entristecer-se, eles deveriam rejubilar-se. Isso aplacou o rei.
Santa Clotilde, jardim do Luxemburgo, Paris |
A rainha lançou-se aos pés do altar e, por suas súplicas e lágrimas -- que visavam mais a conversão do marido do que evitar essa segunda morte -- obteve de Deus que ele se restabelecesse.
As qualidades da esposa começaram a impressionar vivamente a Clovis.
Mas ele tinha um temperamento modelado pela barbárie, e portanto refratário à Religião católica.
Para obter a conversão do marido e do reino, a piedosa rainha entregava-se em segredo a grandes austeridades, prolongadas orações, e especial caridade para com os pobres.
Ao mesmo tempo, “honrava seu real esposo, e procurava suavizar seu temperamento belicoso com sua mansidão cristã” (2).
“Enquanto não adorares o verdadeiro Deus - dizia-lhe ela - temerei que voltes das batalhas vencido e humilhado.
“Até agora não enfrentaste inimigos dignos de teu valor. Se, por desgraça, fores cercado e acossado por um exército mais numeroso, em vão pedirás a ajuda de teus falsos deuses”. (3);
Clóvis contentava-se em desviar a conversa para não magoar a esposa com blasfêmias.
Clotilde tornou-se amiga de Santa Genoveva, que então resplandecia em Paris por suas virtudes e milagres. A ela e a São Remígio recomendou também a conversão do marido.
O milagre da batalha de Tolbiac. (Paul-Joseph Blanc, 1846 - 1904) |
O invicto Clovis encontrou-se face aos poderosos alamanos. De repente vê seu exército recuar em tal pânico que, na fuga, uns guerreiros atropelam os outros.
Desesperado, o monarca pagão começa a clamar aos seus deuses, pedindo-lhes ajuda. Em vão.
Lembra-se então de Clotilde. Caindo de joelhos, eleva seus olhos ao Céu, e brada com toda a alma:
“Ó Jesus Cristo, Deus de Clotilde. Se me concederdes vencer esses inimigos, eu crerei em Vós e serei batizado em vosso nome”.
A batalha virou miraculosamente de lado e Clóvis venceu.
Essa conversão foi pronta e sincera. Não querendo esperar chegar a Soissons para instruir-se “na fé de Clotilde”, mandou chamar um virtuoso eremita, São Vedasto, para que marchasse a seu lado, instruindo-o na Fé católica.
Quis Deus que o rei bárbaro comprovasse mais uma vez, com os próprios olhos, a santidade da Religião que lhe estava sendo pregada.
Ao passarem pela vila de Vouziers, um cego aproximou-se para pedir esmola, e só ao tocar a túnica de São Vedasto, adquiriu imediatamente a visão.
São Remígio batiza Clóvis. Esmalte do túmulo de S.Remígio. Basílica de St Rémi, Reims, França |
No dia de Natal do ano 496, Clóvis, com três mil de seus mais valentes guerreiros, ingressaram pelo batismo na milícia do Deus de Clotilde.
Ao entrar o rei dos francos com o Bispo de Reims no batistério, disse-lhe este as palavras que se tornaram famosas: “Curva a cabeça, altivo Sicambro; adora o que queimaste e queima o que adoraste”.
No momento em que São Remígio ia proceder à unção do rei com o óleo do Santo Crisma, baixou da abóbada do templo uma pomba trazendo no bico uma ampola com azeite.
O Bispo, vendo naquilo uma ordem celeste, ungiu com ele a cabeça de Clóvis (5).
Com esse azeite seriam ungidos depois praticamente todos os reis franceses, até ser quebrada a ampola durante a nefanda Revolução Francesa.
“Em poucos dias, todo o reino dos francos entrava na Igreja, pondo à cabeça de seu Código nacional aquele grito entusiasta que é uma confissão de fé: ‘Viva Cristo, que ama os francos!’” (5).
Assim nasceu a França "Filha primogênita da Igreja".
NOTAS
1 - Edelvives, El Santo de Cada Día, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1947, tomo III, p. 345.
2 - Pe. Jean Croiset, Año Cristiano, Saturnino Calleja, Madri, 1901, t.II, p. 751.
3 - Cfr. Edelvives, op. cit., tomo III, p. 348.
4 - Cfr. Bollandistes, op. cit, tomo VI, pp. 421, 422; Edelvives, op. cit, tomo III, p. 349).
5 - Fr. Justo Pérez de Urbel, OSB, Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II, p. 525.
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